Bancários, Correios e Judiciário estão em greve nesta semana. Os afetados sofrem em silêncio, os trabalhadores ficam perplexos por que sequer são recebidos para discutir as reivindicações, e os patrões se fecham em copas para não serem chantageados. Que atraso de vida.
Greves, em geral, dizem respeito a distribuição de renda. Envolvem questões de poder, às vezes, e dignidade. Mas são sempre fruto de embates que a humanidade já deveria ter superado. Quase sempre envolvem arrogância - mormente da parte dos donos do dinheiro - e métodos arcaicos. Todos vão se acostumando com este mecanismo pobre, abrasivo e com um final humilhante.
Nem o PT, que agora está calejado dos dois lados do piquete, sabe o que fazer com isto. Lula diz que a greve de 1978 foi a mais importante, e se irritou, quando Presidente, com greves "contra ele". Companheiros, o que é isto, o que é isto companheiro?
Não se trata de ideologia política. Os trabalhadores chineses, em pleno "comunismo", começam a se mexer no sentido de paralisações.
A arma vital dos empresários sempre foi a de dizer que "se você não quiser trabalhar por este salário, tá cheio de gente aí fora querendo". Ou seja, quanto mais desemprego, melhor.
Depois da globalização, passou a ser uma questão de descobrir um novo país, mais miserável ("competitivo" no jargão da indústria) onde houvesse gente pobre e ávida por qualquer trabalho.
Estive na África do Sul nestes dias e conversei com gente que conhece bem o Sata, que virou Presidente da Zâmbia na semana passada. O Sata (que lembra bem os satinhas, que trabalham nos aeroportos brasileiros) foi carregador de bagagem em estação de trem e carrega ambições de um povo onde 44% ganha menos do que 48 reais por mês de salário. 48 reais! Ele tem vociferado contra os chineses, que têm minas no país e mantém condições análogas à escravidão em suas empresas, reclamação similar à de outros países africanos em relação aos indianos.
Ou seja, os novos BRICS são agora os imperialistas que acham sua própria mão de obra cara (salários médios de R$ 370 por mês) e estão criando empregos indignos na África.
Quando voltei de uma viagem pela Ásia e África em 1981 fiz uma palestra para a Federação das Indústrias do Ceará, onde dei a triste notícia de que "nem em miséria o Brasil era competitivo". Os corretores da pobreza estão sempre migrando. As alegações são sempre iguais (e pertinentes, infelizmente): o patrão diz que está criando emprego onde não havia renda nenhuma, o trabalhador aceita, por ora, as migalhas que lhe sobram, e o consumidor, à la Henry Ford, passa a fazer parte de uma sociedade onde pode comprar produtos e serviços que antes não alcançava. Triste roda gigante.
Hoje, o Brasil tem menos disto e aspira até a dar palpite para europeu, como Dilma fará na Bélgica. Mas tem embrenhado em seu caráter macunaímico a greve como uma inevitabilidade.
Não tem que ser assim. A Febraban, Correios (e Governo como um todo) dificultam o diálogo ao máximo, retardam e remetem o que podem à Justiça, na expectativa de que lá terão confusão ou parcialidade - os dois servem. Quando comecei a negociar greves de metalúrgicos havia um expediente da elite que era significativo o que ocorre quando o dinheiro manda na Justiça: o de pedir ao Judiciário que declarasse a greve ilegal. Daí, era um passo pequeno para chamar a polícia para desfazer o piquete. Hoje, há a figura da greve abusiva, e o pedido para que um juiz decida questões de livre trabalho.
Na essência, porém, toda greve é fruto de negligência. Falando de experiência própria, de quem via nas minhas empresas (em municípios diferentes) duas a três greves a cada ano nos anos 70 e início dos 80, há solução mais digna e construtiva.
Começa por ser transparente com os resultados. Contratamos o DIEESE para fazer uma cartilha para que os trabalhadores entendessem os números. Isto apavora o empresário e governo. Em seguida, nos dispomos ao diálogo à exaustão, e o reconhecimento de que um corpo de trabalhadores fixo e informado é vastamente superior à política de rotatividade contínua.
É apenas burrice achar que a troca de funcionários, por outros mais baratos, dá mais resultado. É só usar o mecanismo de participação nos resultados (iniciamos isto 31 anos atrás). Mas isto envolve ser aberto com os números.
Estamos, na empresa, perto de comemorar 30 anos sem uma greve sequer. E não é questão do ramo (na verdade, 4 ramos e 14 sindicatos), que promoveram ao menos 20 greves importantes neste período. É questão de dignidade e transparência. Nenhum trabalhador deve ser sub-estimado - é inteiramente capaz de entender preço, lucro e folha. No governo, sabe perfeitamente o que é um orçamento e um serviço público.
Como não se pode esperar que o trabalhador ou servidor inicie o processo de franqueza (não têm o que revelar) é passada a hora do patronato e governo sair de seu papel histórico de durão, e se abrir à conversa.
Não há embate de classes, poder ou dinheiro que não sucumba a uma tentativa de resolver tudo a quatro mãos. Ao invés da truculência. Estamos em pleno século 21, usando métodos do século 19. Pra frente, Brasil, pra frente.
Ricardo Semler, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Escreveu dois livros que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve às segundas-feiras, a cada duas semanas.
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